quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A pregação ao longo da historia

A pregação ao longo da historia

1.1 A Contemporaneidade na Pregação Apostólica
Quando pensamos em pregação apostólica, tendo por fonte de pesquisa o Novo Testamento, ficamos restritos a dois expoentes na pregação da Igreja Primitiva: Pedro e Paulo. O primeiro muito mais pelo sermão pregado no Pentecostes (Atos capítulo 2) e o sermão incompleto pregado na casa de Cornélio (Atos capítulo 10). Com relação a Paulo, temos os sermões transcritos em Atos, o primeiro na sinagoga de Antioquia da Psídia (capítulo 13), o segundo no Areópago, em Atenas (capítulo 17) , o terceiro em Mileto, aos anciãos da Igreja em Éfeso (capítulo 20) , o quarto ao povo judeu irado, em Jerusalém, o que na verdade não pode ser considerado um sermão, mas um testemunho pessoal (capítulo 22) e o derradeiro na presença do rei Agripa (capítulo 26). Além disso, as treze epístolas atribuídas à autoria paulina igualmente podem nos auxiliar neste intento.
Quanto à pregação de Pedro, pouco podemos analisar face a falta de esboços. Entretanto, podemos assegurar que atingiu em cheio o objetivo da pregação pela resposta dada pela população, conforme nos assevera a Bíblia, quando quase três mil almas se converteram seguida pela mesma resposta na casa do oficial romano.
Sabemos ser improvável que Lucas tenha registrado as palavras exatas de Pedro, mas, certamente, registrou a essência do sermão pregado pelo apóstolo. Tal sermão visou provar tanto pela profecia de Joel como pelo salmo de Davi que Jesus era verdadeiramente o Messias, e que este ressuscitara dentre os mortos. Tão bem sucedido foi o pregador que os ouvintes o inquiriram acerca de que atitude deveriam tomar.
Podemos afirmar que Pedro utilizou-se exatamente das ferramentas adequadas para tratar com israelitas de diversas nacionalidades: ele os chama "israelitas" e não judeus, justamente porque a segunda forma de tratamento pressupunha que habitavam em Judá; além disso utiliza argumentação puramente veterotestamentária para persuadi-los.
Outro fato a destacar é que o próprio Espírito Santo cooperou para que não houvessem barreiras na comunicação da Verdade, pois Ele deu a cada israelita estrangeiro a oportunidade de ouvir na sua própria língua o testemunho dos discípulos. No envio de Pedro à casa de Cornélio, por obra do Espírito - que convenceu o apóstolo reticente e lhe possibilitou compreender que o Evangelho era igualmente destinado aos gentios - encontramos outro exemplo de que o próprio Espírito Santo ensina o caminho da contextualização.
O material acerca da pregação do apóstolo Paulo é muito mais farto, justamente por que o livro de Atos lhe dá especial destaque. Além disso temos toda a sua produção literária constituída por suas epístolas que muito nos podem auxiliar na averiguação do estilo de pregação do apóstolo. C. H. Dodd ressalta a riqueza de informações que o Novo Testamento nos apresenta acerca de Paulo e, com base nestas informações, enaltece a inteligência e a versatilidade da pregação do apóstolo.
As cartas de Paulo são intensamente vivas - vivas como poucos documentos chegados até nós de tão remota antiguidade. Elas nos dão não um mero esquema de pensamento, mas um homem vivo. Era uma pessoa de extraordinária versatilidade e variedade.(...) Era igualmente alguém capaz de aplicar a fria crítica da razão aos seus próprios sonhos, e de julgar com sereno equilíbrio o valor verdadeiro dos fenômenos anormais da religião. (...) O seu pensamento é forte e sublime, mais aventuroso que sistemático. Possuía uma inteligência colhedora e uma faculdade de assimilar e usar as idéias dos outros, o que é um grande atributo para quem tenha uma nova mensagem para propagar; sabia pensar nos termos das outras pessoas.
É justamente esta habilidade última observada por Dodd, de que Paulo sabia pensar nos termos das outras pessoas, que ressalta a contemporaneidade de sua pregação.
No congresso realizado na cidade suíça de Lausanne, em 1974, o missiólogo Michael Green asseverou dentre várias características da evangelização por parte da Igreja Apostólica, que esta era flexível em sua mensagem. Para ele aquela Igreja adaptava-se ao público e às circunstâncias, de acordo com a necessidade do momento, com a cultura, o lugar, o povo. Esta flexibilidade é característica na pregação do apóstolo Paulo.
Especificamente acerca da pregação do apóstolo Paulo, o Dr. Shepard enaltece sua personalidade e a capacidade de adaptar-se às circunstâncias, classificando-o como "o maior dos pregadores, exceto Cristo".
Foi uma personalidade altamente enriquecida, tanto dos dons hereditários como de educação aprimorada. Nos seus discursos, às vezes, a veemência da natureza corre como o rio, avolumado por chuvas torrenciais; às vezes aparece tão terna e mansa a sua palavra como o amor de mãe. O seu fim no trabalho foi a edificação do caráter cristão. A sua habilidade de adaptar-se às circunstâncias do seu ministério parecia infinita. Os seus sermões eram a lógica personificada, uma correnteza de argumento e apelo que levava tudo de vencida, na sua força irresistível. (...) Majestoso pelo seu intelecto estupendo, versatilíssimo, poderoso no uso da palavra, incansável, infinito em adaptabilidade, esse gênio natural, reforçado pelo preparo mais completo, entregue nas mãos de Deus, representa nas cenas da história o papel de verdadeiro gigante espiritual proeminente na lista dos heróis da fé...
Assim, não resta dúvidas de que um dos pontos altos da pregação de Paulo era sua habilidade em contextualizar-se para alcançar a relevância junto a seus ouvintes. Podemos ainda destacar com relação à pregação apostólica registrada no Novo Testamento, que era essencialmente bíblica, referindo-se fartamente a textos do Antigo Testamento, que era Cristocêntrica, pois a cruz de Cristo era o ponto central, além de flexível em sua forma.
Sendo bíblica e contextualizada, a pregação apostólica nos serve de modelo pois, é justamente este binômio que entendemos ser fundamental à pregação eficiente.
A flexibilidade da mensagem se expressa muito bem também nos sermões pregados por Pedro, Estevão, além dos pregados por Paulo em Atos e nas cartas endereçadas às várias Igrejas. Aos judeus o tema da mensagem foi "Jesus o Messias e o Servo Sofredor", isto claramente posto na pregação de Pedro no Pentecostes e no discurso de Estevão. Aos romanos a temática foi a "justificação e o senhorio de Cristo", conforme bem podemos perceber na epístola aos Romanos; e aos gregos o tema da pregação foi "a ressurreição dos mortos " e "O Logos de Deus".
Isto também é observado por Orlando Costas, ao afirmar que todo pregador necessita ter em conta a cultura de seus ouvintes se é que deseja comunicar-se eficazmente. Ele nota nos pregadores bíblicos a capacidade de refletir profundamente sobre a cultura de seu tempo e cita como exemplos os apóstolos Paulo e João:
Paulo se acerca dos filósofos estóicos em Atenas fazendo uso das próprias categorias deles, lhes fala do deus desconhecido e capta sua atenção. Daí passa ao problema básico dos gregos: a ressurreição dos mortos, e especificamente, a ressurreição de Cristo (Atos 17). João toma emprestado um termo da filosofia clássica grega (logos) para comunicar a fé cristã, usando, pois, os símbolos característicos de sua cultura, e expõe ante seu mundo a mensagem cristã. Desta forma, o Novo Testamento nos oferece elementos para dizermos que a Igreja Primitiva cumpria seu papel de pregação da Palavra eficientemente, porque era bíblica e, ao mesmo tempo, flexibilizava a mensagem, levando em conta a realidade dos ouvintes.

1.2 A Contemporaneidade na Pregação Pós-Apostólica
Segundo G. Burt, o período que seguiu o dos pais apostólicos foi assinalado por uma decadência. Ele afirma que o material homilético dos três séculos seguintes ao apostólico, é muito escasso. Mesmo assim cita algumas instruções de Clemente de Roma, Ignácio e Dionísio, no primeiro século, Aniceto no segundo e Cipriano, no terceiro.
L. M. Perry e C. Sell referem-se a Clemente de Roma (30-100 AD) como um pregador de objetivos éticos e que conseguia, através de suas mensagens, propiciar "consolo para as pessoas que atravessavam tribulação". Outro pregador deste período destacado por estes autores é Tertuliano ( 150-220 AD). Este teria sido um pregador exímio através de mensagens acerca da paciência e da penitência.
Um período de ascensão da oratória na Igreja iniciou-se no quarto século, quando a partir de então floresceram Ambrósio, Basílio, Gregório, Crisóstomo e Agostinho, os mais célebres pregadores da Igreja Antiga. Outros pegadores dos primeiros séculos, dignos de serem citados, são Orígenes, Lactâncio, Jerônimo e Cirilo de Alexandria, dentre outros, dos quais temos somente discursos e homilias. Destes pregadores, conforme Burt, destacam-se Crisóstomo e Agostinho, que trouxeram relevante contribuição à literatura Homilética.
A obra Peri Hierosynes, ou "De Sacerdócio", de Crisóstomo, escrita no início de seu ministério, expressa, ainda que indiretamente, alguns preceitos fundamentais para a Homilética da época:
1. O clérico - ou ministro - deve ser prudente e douto; 2. Deve possuir alocução fácil; 3. Deve conhecer as controvérsias entre gregos e judeus; 4. Deve ser hábil na dialéctica (como Paulo, não menos grande na arte de falar do que nos escritos e ações); 5. Há necessidade de um longo e sério preparo para o ministério; 6. É indispensável o desdém pelos aplausos humanos; 7. Cada sermão deve ser um meio de glorificar a Deus.
Parece-nos que a capacidade de flexibilizar a mensagem a ponto de torná-la adequada ao contexto dos ouvintes ainda que não esteja explicitamente anunciada acima, pode ser compreendida nas entrelinhas destas afirmações. Entretanto, parece óbvio que a maior preocupação era para com a oratória e a dialéctica. Ao referir-se a este mesmo pregador o Dr. Shepard ressalta que ele foi proeminente entre os principais pregadores de todos os tempos. Refere-se à sua instrução na ciência do direito, do seu intelecto extraordinário e de seu despontamento como mestre no discurso argumentativo e da retórica. Ainda sobre Crisóstomo, Shepard destaca que "conhecia a natureza humana e nos seus discursos jamais se esqueceu de que os seus argumentos eram para convencer o povo". Para este autor os sermões de Crisóstomo refletem de modo vivo as condições do seu tempo. Outra característica deste célebre pregador era sua simplicidade, sua clara preocupação em falar ao povo de sua época. Shepard enaltece a capacidade de Crisóstomo de interpretar a Palavra e de aplicá-la às necessidades do povo de sua época.
Na verdade, João de Constantinopla (c. 347-407), que era natural de Antioquia da Síria e filho de mãe cristã, foi bispo de Constantinopla. Quando ocupou este tão importante cargo seu primeiro objetivo foi reformar a vida do clero. Justo Gonzales relata que alguns sacerdotes que diziam ser celibatários tinham em suas casas mulheres que chamavam de irmãs espirituais, e isto escandalizava a muitos. Além disso, outros cléricos haviam se tornado ricos e viviam em grande luxo e o trabalho pastoral da Igreja era negligenciado.
As finanças foram submetidas a um sistema de controle detalhado. Os objetos de luxo que havia no palácio do bispo foram vendidos para dar de comer aos pobres. (...) É desnecessário mencionar que isto tudo, apesar de lhe conquistar o respeito de muitos, também lhe granjeou o ódio de outros.
O empenho do bispo de Constantinopla não limitou-se apenas ao clero. Seus sermões exortavam os leigos a que levassem uma vida nos moldes dos princípios cristãos:
Este freio de ouro na boca do teu cavalo, este aro de ouro no braço do teu escravo, estes adornos dourados em teus sapatos, são sinal de que estás roubando o órfão e matando de fome a viúva. Depois de morreres, quem passar pela tua casa dirá: "Com quantas lágrimas ele construiu este palácio? Quantos órfãos se viram nus, quantas viúvas injuriadas, quantos operários receberam salários injustos?" Assim, nem mesmo a morte te livrará dos teus acusadores.
Eis aí um exemplo de pregador contextualizado ao seu povo. Ele recebeu o título de "Crisóstomo" ( língua de ouro) cerca de 100 anos após a sua morte, face ao respeito que conquistou com seus sermões, tratados e cartas publicados. A história nos conta que Crisóstomo morreu no exílio, nas montanhas da Ásia Menor.
O outro grande pregador destacado neste período foi Agostinho de Hipona (354-430).Tido por muitos como o maior teólogo da antiguidade, converteu-se em Milão em meio a uma exortação ouvida por acaso num jardim, tirada de Romanos 13:13-14; foi batizado por Ambrósio em 387.
Antes de sua conversão fora mestre de retórica; por isso em suas obras podem ser encontradas muitas instruções quanto à oratória, especialmente na obra De Proferendo, um dos quatro livros que constituem a sua Doctrina Christiana. Dela podemos retirar o conceito de "ótimo pregador" de Agostinho: "É aquele de quem a congregação ouve a Verdade, compreendendo o que ouve". Para Agostinho a vitória do pregador consistia em levar o ouvinte a agir. A pregação atraente devia ser temperada de sã doutrina e gravidade.
Agostinho foi ordenado bispo em Hipona, no norte da África, em 395. Dentre seus escritos merece atenção especial as suas Confissões, uma autobiografia onde o conta a Deus, em oração, suas lutas e peregrinação. É tida como uma obra única em seu gênero na antiguidade. Outra obra a destacar é A Cidade de Deus, escrita sob a motivação da queda da cidade de Roma, em 410, e tida como a maior de todas as suas obras literárias. Nesta, Agostinho responde àqueles que afirmavam que Roma tivesse caído porque se tinha entregue ao cristianismo e abandonado os velhos deuses que a tinham feito grande.
Dennis F.Kinlaw enaltece grandemente tanto a obra literária como a pregação de Agostinho. Para ele o bispo de Hipona exemplifica o dever de todo pregador em ser um intérprete de sua época. Este autor sugere a leitura do sermão pregado por Agostinho no primeiro domingo após o recebimento da notícia de que Roma caíra nas mãos dos invasores godos, liderados por Alarico, em 410, como um digno exemplo de sermão contextualizado. Kinlaw define Agostinho como um homem de "visão clara de onde se encontrava a humanidade na sua peregrinação para Deus".
No intento de comprovarmos a preocupação com a mensagem contextualizada por parte dos pregadores na história da pregação, reconhecemos que após o ápice alcançado com Crisóstomo e Agostinho, houveram pelo menos sete séculos de obscurantismo. O Dr. Ruben Zorzoli, professor do Seminário Internacional de Buenos Aires, decreve este período como tendo sido marcado "por completa escuridão e declínio".
Segundo Zórzoli, alguns fatores que contribuiram para este declínio foram a corrupção do clero, o crescimento das formas litúrgicas (que substituíram o lugar da pregação), a elevação da função sacerdotal sobre a do pregador, as controvérsias doutrinais, e o declínio no conteúdo da pregação pelo uso extremo da alegorização bíblica.
O Dr. G. Burt comenta que nesta época utilizava-se a postilla, uma brevíssima paráfrase do texto bíblico, e que apenas alguns privilegiados tinham direito a assistí-la. Estes privilegiados eram chamados akpoumenoi na Igreja grega e audientes na latina.
Nos séculos XII e XIII houve uma recuperação no prestígio da pregação. Zorzoli ressalta como motivos desta mudança as reformas na vida do clero, instituídas pelo papa Gregório VII; o avivamento intelectual resultante do escolasticismo e que elevou o conteúdo da pregação; a propagação de seitas heréticas que faziam uso da pregação - o que constrangeu a Igreja Católica a reagir; as cruzadas, que se utilizavam da pregação na mobilização das massas populares, e o uso crescente do idioma popular na pregação.
O mesmo autor assevera que, apesar desta recuperação, este período da história da pregação ainda foi marcado pelos erros, dentre os quais destaca o uso do material extra bíblico como se fosse bíblico, a interpretação e aplicação equivocados, o uso extremo da alegoria e a frequente falta de texto bíblico nas mensagens.
Com o surgimento das ordens missionárias dos Franciscanos e Dominicanos, no século XIII, a pregação ganha mais notoriedade.
A preocupação de falar ao povo, de contextualizar-se à realidade dos ouvintes, parece existir numa obra de Guibert de Nogent, abade francês que morreu em 1124. Dentre os seus preceitos homiléticos destacam-se os seguintes: o pregador deve exercitar o seu talento o mais frequentemente possível, nunca deve assumir o púlpito sem ter orado, deve ser breve, dar preferência a assuntos práticos e não dogmáticos. Conclui que "poucas coisas ouvidas e guardadas valem mais que muitas que passem pela cabeça do auditório, sem penetrar nem a inteligência, nem a consciência."
Perry e Sell destacam deste período alguns pregadores. Um deles é o alemão Berthold von Regensburg (1220-1272) que, com seus sermões práticos "atacou os pecados de todas as classes na época de um grande interregno na Alemanha". Acrescentam ainda que Regensburg buscava sempre atingir as necessidades do povo. Destacam também o inglês John Wycliffe (1329-1384), igualmente realçado como um pregador "prático, que se dedicou ao cuidado das almas".
Já nos séculos XIV e XV houve um novo declínio na ênfase da pregação, quando esta deixou de priorizar a população, dando lugar ao intelectualismo árido do escolasticismo. Além disso, contribuíram para isto o período de estabilidade que passava a Igreja Católica, sem as ameaças hereges. Um novo despertamento viria com o século XVI e a Reforma
1.3 A Contemporaneidade na Pregação dos Reformadores
A Reforma marca um avivamento na pregação. Como fatores mais importantes deste avivamento Zórzoli destaca a nova ênfase na pregação como um elemento vital na vida e na adoração, tendo a mensagem proferida por um pregador voltado ao lugar que a missa havia ocupado. Além disso, o mesmo autor ainda acrescenta a influência da pregação na luta contra os erros patrocinados pela Igreja Papal, a volta da utilização do texto bíblico na pregação e o refinamento dos métodos homiléticos até então utilizados.
Os precursores anabatistas, além de Lutero, Calvino e Zwinglio, atestam o restabelecimento da prioridade da pregação.
Neste período surgem obras no campo da Homilética que merecem destaque, como a Ratio Brevissima Concionandi, de Felippe Melanchton (1517) e que em sua primeira parte discorre sobre as várias partes do discurso (exórdio, narração, preposição, argumentos, confirmação, ornamentos, amplificação, confutação, recaptulação e peroração), em seguida enfoca a maneira de desenvolver temas simples, depois como trabalhar com temas complexos, e assim por diante. Constitui-se numa das principais obras do gênero, conforme Burt.
Outra obra Homilética citada pelo mesmo autor é o Ecclesiastes, Sive Concionator Evangelicus, de Erasmo (c. de 1466-1536), que dividiu-se em quatro livros: o primeiro sobre a dignidade, piedade, pureza, prudência e outras virtudes que o pregador deve cultivar; o segundo sobre estudos que o pregador deve fazer; os demais sobre figuras do discurso e o caráter do sacerdócio.
Embora Martinho Lutero (1483-1546) não tenha escrito uma obra específica sobre a arte de pregar, Burt destaca suas Palestras à Mesa, das quais resume os seguintes preceitos homiléticos:
O bom pregador deve saber ensinar com clareza e ordem. Deve ter uma boa inteligência, uma boa voz, uma boa memória. Deve saber quando terminar, deve estudar muito para saber o que diz. Deve estar pronto a arriscar a vida, os bens e a glória, pela Verdade. Não deve levar a mal o enfado e a crítica de quem quer que seja.
Ainda sobre ensinos de Lutero acerca da pregação, Burt destaca estas palavras do reformador, voltadas especificamente aos jovens pregadores:Tende-vos em pé com garbo, falai virilmente, sede expeditos. Quando fores pregar, voltai-vos para Deus e dizei-lhe: "Senhor meu, quero pregar para tua honra, falar de ti, magnificar e glorificar o teu nome". E que o vosso sermão seja dirigido não aos ouvintes mais conspícuos, mas aos mais simples e ignorantes. Ah! que cuidado tinha Jesus de ensinar com simplicidade. Das videiras, dos rebanhos, das árvores, deduzia Ele as suas parábolas; tudo para que as multidões compreendessem e retivessem a Verdade. Fiéis à vocação, nós receberemos o nosso prêmio, senão nesta vida, na futura.
Podemos perceber nestes conselhos de Lutero a preocupação de tornar a mensagem compreensível ao povo mais simples que compõe a Congregação. Esta é uma das características principais dos reformadores deste período.
Com relação a João Calvino (1509-1564), que foi pastor da Église St. Pierre, em Genebra, na Suíça, podemos destacar sua obra literária que foi amplamente distribuída e lida em todas as partes da Europa e que influenciou grandemente o movimento reformador.
Como teólogo e pastor, Calvino deu prioridade ao ensino das Escrituras, tendo escrito comentários sobre 23 livros do Antigo Testamento e sobre todos os livros do Novo Testamento, menos Apocalipse. Suas Institutas, obra composta de 79 capítulos e completada em 1559, é o principal de seus escritos.
Dentre outras coisas, Calvino é tido como um pregador preocupado com a delimitação do verdadeiro papel da Igreja na sociedade, tendo sido precursor de um grande impacto na sociedade de sua época. Ensinava que a Igreja precisava orar pelas autoridades políticas.
Comentando I Timóteo 2:2, afirmou que precisamos não somente obedecer a lei e os governantes, mas também em nossas orações suplicar pela salvação deles. Expressou também grande preocupação com a injustiça social. Comentando Salmo 82:3 , afirmou: "um justo e bem equilibrado governo será distinguido por manter os direitos dos pobres e dos aflitos". Sua pregação levou a Igreja de Genebra a batalhar contra os juros elevados, a lutar por oportunidades de empregos e tudo aquilo que era pertinente a uma sociedade secular mais humana.
Dentre os grandes pregadores do século XVI podemos destacar ainda John Knox (1514-1572), o reformador escocês. Uma de suas características marcantes foi sua visão social bem esclarecida expressa na defesa da obrigação de cada cristão cuidar dos pobres e no sistema elaborado por ele mediante o qual cada igreja sustentaria seus próprios necessitados e administraria escolas de catequese para todas as crianças, ricas e pobres.
Para Zórzoli, no geral, os séculos XVII e XVIII foram de novo declínio, com uma quase generalizada pobreza de púlpitos na Europa. Destaca pregadores como Baxter, Bunyan e Taylor, na Inglaterra, e Bossuet e Fenelon, na França, como sendo exceções no século XVII. Destaca como grandes pregadores e exceções do século XVIII, que considera marcado pela mediocridade, John e Carl Wesley, juntamente com George Whitefield, na Inglaterra, que produziram um avivamento centrado na pregação às multidões. Na América do Norte destaca Jonathan Edwards. Todos estes foram pregadores que conseguiram fazer a ponte da Palavra aos corações de multidões de pessoas.
Sobre Jonathan Edwards (1703-1758), cujo mais famoso sermão foi intitulado "Pecadores nas Mãos de Um Deus Irado", pregado na Igreja Congregacional em Northampton, Massachusetts, em 1741, podemos destacar o seu sermão de despedida do pastorado daquela igreja, depois de 23 anos de ministério ali.
Ao buscardes o futuro progresso desta sociedade é de maior importância que eviteis a contenda. Um povo contencioso é um povo miserável. As contendas que têm surgido entre nós desde que me tornei vosso pastor têm sido o fardo mais pesado que tenho carregado no decurso do meu ministério - não somente contendas que tendes comigo, mas aquelas que tendes tido uns com os outros por questões de terras e outros interesses. Eu já sabia muito bem que a contenda, o espírito inflamado, a maledicência e coisas semelhantes, eram frontalmente contrárias ao espírito do Cristianismo e têm concorrido, de modo todo peculiar, para afastar o Espírito de Deus de um povo, a tornar sem efeito todos os seus meios de graça, além de destruir o conforto e o bem estar temporal de cada um. Permita-me que vos exorte com todo o vigor, que, daqui para a frente, todas as vezes que vos empenhardes na busca do vosso bem futuro, que vigieis atentamente contra ume espírito contencioso: "se quiserdes ver dias bons, buscai a paz e seguí-a"(2 Pedro 3:10-11).
Nota-se nesta transcrição da conclusão do sermão o cuidado de enfocar um assunto vivenciado pela congregação. O pregador falou ao povo sobre uma deficiência do povo. Esta contextualização da pregação determinou o sucesso e caracterizou os grandes pregadores em todos os períodos da história da pregação
1.4 A Contemporaneidade da Pregação dos Séculos XIX e XX
Há quem iguale o prestígio e eficiência da pregação do século XIX com o século primeiro, com Pedro e Paulo, e com o século IV, com Crisóstomo e Agostinho. Inegavelmente, este século foi marcado por grandes e renomados pregadores, como Finney, Brooks, Broadus, Moody, Spurgeon, Hall e Mclaren, alistados como os príncipes da pregação neste período.
Como grandes pregadores do século XIX Perry e Sell destacam, dentre outros, o norte americano Henry Ward Beecher (1813-1887). Beecher notabilizou-se pela pregação contra os vícios sociais de sua época, tendo sido líder do movimento anti escravista. Segundo estes autores, este pregador costumava pregar diretamente a respeito das necessidades pessoais de seus ouvintes.
Outro grande pregador deste período destacado por Perry e Sell é Phillips Brooks (1835-1893). Referem-se a Brooks como tendo sido um pregador "extraordinariamente sensível para com as necessidades humanas". Contam que ele costumava investir suas tardes em visitas ao seu povo, especialmente os pobres, doentes e atribulados. Transcrevem um comentário feito por um adimirador, de nome Bryce: "Brooks fala ao seu auditório como um homem fala ao seu amigo".
No intento de demonstrar a preocupação com a contemporaneidade por parte de ilustres pregadores, citamos como exemplos dois dentre estes mais destacados, Finney e Spurgeon.
Primeiramente citamos Charles G. Finney (1792-1875), que viveu uma intensa experiência de conversão em Nova Iorque, em 1821, sendo introduzido à Igreja Presbiteriana. Foi pastor presbiteriano e depois congrecionalista. Pregador avivacionalista, chega a ser apontado como "o mais ungido evangelista de reavivamento dos tempos modernos". Estima-se que mais de 250 mil almas se converteram como resultado de suas pregações.
Em sua obra Lectures on Revival (Preleções Sobre o Reavivamento), de 1835, Finney demonstrou sua esperança de que o reavivamento varresse os Estados Unidos, trazendo progresso e reformas sociais; democracia e abolição da escravidão, dentre outras consequências. Finney não pregava simplesmente sobre a vida eterna em Jesus, mas que a fé em Jesus seria o caminho para que a sociedade americana fosse redimida.
Outro ilustro pregador deste período foi o célebre Charles Haddon Spurgeon (1834-1892), um um pastor batista muito influente na Inglaterra. Em 1854 iniciou um ministério de 38 anos consecutivos na capela batista na Rua New Park, em Londres e, com apenas vinte e dois anos de idade era o pregador mais popular de Londres.
Em 1861 foi edificado o Tabernáculo Metropolitano nas Ruas Elephant e Castle, um templo com capacidade de abrigar 6 mil pessoas, onde Spurgeon ministrou ininterruptamente até sua morte. Junto ao Tabernáculo foi criado um seminário e uma sociedade de colportagem que enfatizava a distribuição de literaturas. Calcula-se que 14 mil membros foram acrescentados àquela Igreja durante o ministério de Spurgeon. Teve muitos de seus sermões publicados, num total de 3.800 deles!
Na obra "Lições Aos Meus Alunos" encontramos farto material resultante de preleções deste ilustre pregador que bem podem expressar sua preocupação com a relevância que a pregação precisa encontrar nas vidas dos ouvintes. Assim Spurgeon expressa sua preocupação com o desempenho eficiente dos pregadores:
É desejável que os ministros do Senhor sejam os elementos de vanguarda da Igreja. Na verdade, do Universo todo, pois a época o requer. Portanto, quanto a vocês, em suas qualificações pessoais, dou-lhes este moto: Sigam avante. Avante nas conquistas pessoais, avante nos dons e na graça, avante na capacitação para a obra, e avante no processo de amoldagem à imagem de Jesus.
Sobre a eficiência na comunicação da Verdade ao povo, Spurgeon afirmava que o ministro só seria verdadeiramente eficiente se fosse apto para ensinar. Sobre ministros inaptos, ele asseverou em tom hilário:
Vocês sabem de ministros que erraram a vocação e, evidentemente, não têm dons para exercê-la. Certifiquem-se de que ninguém pense a mesma coisa de vocês. Há colegas de ministério que pregam de modo intolerável: ou nos provocam raiva, ou nos dão sono. Nenhum anestésico pode igualar-se a alguns discursos nas propriedades soníferas. (...) Se alguns fossem condenados a ouvir os seus próprios sermões, teriam merecido julgamento, e logo clamariam como Caim: "É tamanho o meu castigo, que já não posso suportá-lo." Oxalá não caiamos sob a mesma condenação.
Esta tão bem humorada declaração de Spurgeon demonstra sua preocupação com a relevância da pregação na vida dos ouvintes. Esta foi a característica dos ilustres pregadores desta e das demais épocas.
Com relação ao nosso século, podemos notar algumas tendências que indicam o desprestígio da pregação nas Igrejas e a perda da centralidade no minstério pastoral. Para Martyn Lloyd-Jones, que enxergava este declínio da importância da pregação na Igreja do século XX, tal desprestígio se deve, primeiramente, à perda da crença na autoridade das Escrituras. Outra razão apontada pelo autor para este declínio é o fato de "a forma ter-se tornado mais importante que a substância, a oratória e a eloquência por conseguinte, coisas valiosas por si mesmas". Tal declínio da pregação no nosso século se acentua, porque, segundo Lloyd-Jones, "a pregação tornou-se uma forma de entretenimento".
A situação da pregação na atualidade é enfocada na próxima etapa da pesquisa, onde a opinião supra citada é reforçada com depoimentos de outros autores. Nos preocupamos também em discorrer acerca das consequências deste declínio de prestígio da pregação

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